GUSTAVO CARONA - MÉDICO SEM FRONTEIRAS

Foi no dia dos meus anos em que levei a machadada final. 

O Bodyboard era a minha vida. Era atleta, tinha jeito e era obcecado. O meu palmarés começou a crescer cedo e muito rápido. Fiz coisas que nunca ninguém tinha feito e com humildade o digo, acho que nunca ninguém o vai fazer. Ganhava campeonatos consecutivos. Ganhava aos mais velhos e com 14 anos cheguei a uma final de um campeonato Europeu de seniores. Tinha patrocínios de tudo e uma vontade de vencer imensurável. Treinava antes das aulas, ou à hora de almoço, ou depois das aulas. Era raro o dia que não punha os pés na água. Pouco ligava a tudo o resto que me desviasse do meu sonho: conquistar o mundo com a minha prancha. 

À vinda de um campeonato onde não houve ondas, paramos em Peniche na praia do Baleal para tirar a barriga de misérias numas ondas pequeninas mas bonitinhas. O mar parecia tão inofensivo que mesmo com a maré a vazar em cima de uma laje muito rasa, não me inibi de arriscar entrando dentro de um tudo numa onda que obviamente ia fechar. Dei uma pancada seca estrondosa com a cabeça e com o ombro, nessa pedra coberta de ouriços. Levanto-me atordoado e assustado com a perceção que me estava a esvair em sangue, mas não estava. Apenas tinha a testa tatuada de ouriços do mar espetados. Com ajuda dos meus amigos, tirei o fato e sentei-me na parte da frente da carrinha. Quando cheguei ao Porto não me conseguia mexer. Fui levado em braços até casa e cheio de dores nas costas, com a sensação que estava paralisado da cinta para baixo. Uma semana para que me passasse a contractura muscular e estava de volta ao mar. Mas nunca mais foi a mesma coisa. Percorri massagistas, fisioterapeutas, quiropractas, ortopedistas, fisiatras, neurocirurgiões do norte ao sul do país. Tentei tudo. E as dores nas costas sempre a piorar a cada vez que me metia nas ondas. E foi no dia em que fiz 15 anos que um ortopedista me disse aquilo que parecia ser cada vez mais óbvio: “Não vais voltar ao mar!” 

 

Com a minha mãe sempre ao meu lado, pedi-lhe para me deixar na praia uma última vez. E não se recusa um desejo a um moribundo… Estava um dia lindo, sem vento com ondas incríveis na “minha” praia de Leça, que era mais do que uma segunda casa, era tudo para mim. Estranhamente com menos dores que o habitual, despedi-me do amor da minha vida. Estava em estado de choque, não conseguia falar com ninguém… as minhas lágrimas misturavam-se com a água salgada enquanto na minha mente corria uma voz em repetição: “Nunca mais, Nunca mais, Nunca mais, …. !” 

 

Perdi tudo! Fiquei sem mundo! Tive que reaprender a viver. A melhor forma que conseguia descrever o que sentia na altura era que me tinham tirado o chão… e caía, e caía, e caía… em direção a nada. Durante 6 meses chorei todos os dias. Todos! Até que passei a ter um dia ou outro em que não chorava. As minhas notas foram muito medíocres para um rapazinho que até então era bom aluno. Sofri, sofri, sofri… perdi completamente o norte até que que decidi transformar a minha dor e frustração em algo positivo. 

 

Indignado por os médicos não me darem a solução, decidi canalizar a minha força para entrar na faculdade de medicina.
O meu sofrimento parecia-me algo tão aberrante que queria dedicar a vida, a evitar que isto alguma vez acontecesse a alguém. Se dependesse de mim, mais ninguém ia sofrer o que eu sofri.

Decidi ser médico.

Apaixonei-me pela medicina e mais ainda pela possibilidade de salvar vidas com o meu conhecimento e as minhas mãos. Em vésperas de um exame, fiz uma pausa do estudo e por acaso estava a dar uma reportagem sobre o INEM. Já me estava a parecer mais importante ver aquilo do que estudar um livro qualquer, quando a minha mãe me diz: “Se isto houvesse na altura talvez tivesses conhecido o teu avô!” … eu não disse nada, mas pensei para dentro com convicção: “É isto que eu quero fazer!” E assim me fui mantendo motivado à volta dos livros de medicina. Nada acontece num dia, e nada de importante conquistamos sem sangue, suor e lágrimas. Mas depois, do nada, chega aquele momento em que olhamos ao espelho e pensamos: “Conseguiste!

Salvaste a vida a alguém! Podia ter sido outro qualquer, mas foste tu!” E este sentimento não tem preço. Mas o tempo passa e queremos mais… todos queremos mais. E começo a olhar à minha volta. Começo a olhar para o mundo e levo um enorme murro no estômago quando menos estava à espera. O meu coração enviou mensagens muito estranhas ao meu cérebro na primeira vez que fui a Moçambique e senti que o IPod que escondia no bolso com medo de ser roubado, dava para dar de comer a muita gente… demasiada. E se fosses tu? E se fosses tu a nascer no lado “errado” do planeta, sem saber quando vais comer e completamente vulnerável a um sem número de doenças que te podem matar ou incapacitar? Fome é fome. Dor é dor. Em qualquer parte do mundo. 

A primeira vez que me voluntariei, paguei o meu voo e as minhas despesas para trabalhar em Moçambique e senti-me fantástico. A minha pequena ajuda fez com que a minha vida fizesse muito mais sentido… Não posso salvar o mundo, mas vou ser feliz a tentar. E então ofereci-me para trabalhar com os Médicos Sem Fronteiras e foi amor à primeira vista! Com eles podia utilizar os meus conhecimentos onde são mais precisos. Fui para a guerra esquecida da Rep. Democrática do Congo, onde estive 4 meses. Mudou completamente a forma como olho para a vida desde então. Ali estava eu, num dos países mais problemáticos do mundo onde já morreram mais de 5 milhões de pessoas, nos últimos 20 e poucos anos, e ninguém quer saber. Ser médico nestas circunstâncias é muito mais que uma profissão, é a razão da minha existência na mais pura das essências. Trabalhei até cair para o lado, salvei muitas vidas e parti o coração muitas vezes com a frustração das pesadas derrotas que sofri no hospital. “Abram os olhos para o Congo!”, escrevi eu. E se fosses tu?

 

Mas eu queria mais. Mais vida, mais compreensão, mais mundo. Nunca escolhi os lugares para onde fui, eles é que me escolheram a mim. Fui para a província do Noroeste do Paquistão, o epicentro do maior problema dos nossos dias: “terrorismo”, e lá encontrei um dos lugares mais interessantes e complexos do planeta. Uma das zonas mais pobres do mundo onde a magnitude dos problemas nunca parou de me surpreender. Adorei a sua gente e trouxe para casa a mochila cheia de histórias e lições de vida.

 

Depois, fui para o sul do Afeganistão mergulhar nos seus 40 anos de guerra. Que país! Bonito por dentro e por fora. A experiência conta muito, mas há sempre muito mais emoções virgens do que eu podia imaginar. E apesar de eu me ter entregue de corpo e alma a esta causa, às pessoas, aos doentes, ao hospital, à formação dos locais, acabo sempre com a sensação que aprendi muito mais do que ensinei, e trago para casa muito mais do que lá deixei. E se fosses tu a viver no maior campo de batalha do mundo? E se fosses tu a ir para a cama dormir sem saber se um drone ia bombardear a tua casa? 

 

Depois, os MSF propuseram-me uma missão na Síria. Eu achei que já não era possível ter mais medo, mas era. Entrar na Síria foi um dos momentos mais intensos da minha vida. Atravessar uma grande parte do país sem lei nem roque, onde as metralhadoras e os campos de deslocados saltam aos nossos olhos a cada esquina. O beco sem saída da Primavera Árabe, onde a população teme pela vida todo o santo dia. E se fosses tu a ver o teu amado país em guerra? 

 

As pessoas inteligentes fazem perguntas. As pessoas estúpidas têm todas as respostas. Desde pequeno que tento compreender o mundo tentando colocar-me na pele dos outros. Não podemos perder a esperança, não podemos deixar de nos preocupar, temos que aprender a tolerar as diferentes formas de viver. Vejam as notícias e abram os olhos para o mundo, e perguntem a vocês mesmos: E se fosses tu? Primeiro vão chorar, mas tudo o resto vão fazê-lo com um sorriso na cara!


Love!

Estão todos convidados e agradeço imenso todas as partilhas e divulgação 😊

 

Gustavo Carona

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